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Voluntários criam programas para portadores de deficiências

Um programa de computador poderia permitir que consumidores com deficiências visuais apontassem seus celulares na direção de prateleiras de supermercado e ouvissem descrições dos produtos e seus preços. Outro permitiria que um deficiente físico orientasse um mouse de computador usando ondas cerebrais e o movimento dos olhos.

Os dois estão entre os programas criados por oito grupos de voluntários que participaram de uma competição de desenvolvimento de software de dois dias de duração, recentemente. O objetivo da competição, patrocinada por uma organização sem fins lucrativos, era estimular a criação de novos programas de computador que ajudem os deficientes físicos a expandir suas capacidades.

A empresa, estabelecida por estudantes e profissionais formados pelo curso de ciência da computação da Universidade do Sul da Califórnia, se chama Project:Possibility, e nasceu de uma idéia proposta dois anos atrás por Christopher Leung, então mestrando em ciência da computação e engenharia, que estava trabalhando em um projeto do Laboratório de Propulsão a Jato, da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa), em Pasadena.

Como explicou Leung em entrevista recente, “o gerente de projeto me procurou e disse que tínhamos diversos alunos cegos que começariam estudos no novo ano letivo, e disse que, se eu tivesse alguma idéia que pudesse ajudá-los, ele queria saber”.

Na época, conta Leung, ele estava trabalhando em um programa de visualização do sistema solar. “Eu imaginei um projeto a que chamei ‘toque o céu’, por meio do qual uma pessoa cega poderia usar um dispositivo de retroalimentação forçada para sentir reconstruções tridimensionais do terreno de outros planetas”, diz.

A experiência o inspirou a pensar além de um grupo de estudantes e um projeto. “Ficou aparente que havia necessidade de um esforço organizado maior, uma comunidade de programadores e de pessoas deficientes que se conceitualizassem projetos capazes de ajudar na prática”, disse Leung. “Por isso reuni alguns colegas na Nasa e apresentei a idéia, pedindo ajuda. Diversos deles, e dezenas de outras pessoas, aceitaram o desafio e conduziram o Project:Possibility ao ponto em que se encontra hoje”.

O esforço tem por centro a Universidade do Sul da Califórnia, e é comandado por voluntários, entre os quais Eli Lerner, programador de sistemas de informação na Amgen; Elias Sayfi, engenheiro de software sênior no Laboratório de Propulsão a Jato; e Stanley Lam, aluno de graduação no curso de administração de empresas da universidade.

Em 2007, eles organizaram um concurso chamado “Código por uma Causa”, no qual 25 alunos, em cinco equipes, se envolviam em um final de semana de programação intensiva de códigos de software. O evento atraiu a ajuda de executivos do Google, Amgen e da Nasa. Este ano, em outubro, o concurso se expandiu para 50 estudantes e oito grupos, com mentores do Google, Amgen e Nasa e jurados da Lockheed Martin e Amgen, e uma palestra encorajadora de um executivo da Microsoft.

A competição foi vencida pelo programa de leitura de código de barras, que ajudaria os deficientes visuais a obter informações sobre produtos em supermercados. O segundo lugar ficou com o problema de controle mental que permitiria a deficientes controlar um mouse com impulsos neurais. Todos os programas, escritos em sessões de 12 horas de trabalho ao longo de um único final de semana, representavam avanços mas ao mesmo tempo requeriam desenvolvimento posterior.

A equipe que criou o programa de leitura de código de barras “não conseguiu instalá-lo em um celular, e por isso usamos um simulador da Motorola”, disse Michael Crawley, o professor de engenharia que orientou o grupo.

James Han, fundador da ProsForPros, uma empresa de hospedagem e consultoria de Internet para companhias de pequeno porte, orientou a equipe que desenvolveu o software de controle mental. “Nós pudemos aproveitar programas de fonte aberta para o controle de mouses e conectá-los a um atuador neural nas primeiras 12 horas”, ele diz. “Na segunda sessão, criamos a interface de usuário. Acredito que a implementação do programa esteja atualmente em desenvolvimento, para modelos de uso semelhantes”.

Os diretores do Project:Possibility têm planos para projetos mais ambiciosos. Primeiro, haverá uma competição em fevereiro envolvendo equipes de estudantes de ciência da computação da Universidade da Califórnia em Los Angeles, na esperança de multiplicar o número de programas de assistência a deficientes. O projeto também planeja criar um site mundial de distribuição de software de fonte aberta por meio do qual deficientes físicos e criadores de software possam colaborar quanto a novas idéias e melhorar programas existentes.

“Imagine um site de redes sociais especializado, à maneira do Facebook ou MySpace, no qual os usuários estariam envolvidos no projeto das ferramentas de que necessitam e que desejam”, disse Stephen Lee, programador britânico que opera a Fullmeasure.co.uk e é diretor do Project:Possibility. “Os estudantes poderiam conversar com os usuários e trabalhar para desenvolver projetos que atendam suas necessidades, e isso despertaria muito entusiasmo”.

Ele estima que “uma comunidade online ativa talvez precise de seis meses ou mais para ser organizada, já que há problemas como timidez e inércia a superar”. Também há custos para a criação de uma comunidade online como essa, “de hospedagem e custos tecnológico e de mão-de-obra relacionados à criação do site”.

Até o momento, o Project:Possibility opera sem receita e não paga os participantes. Os programas são propriedade intelectual do projeto sem fins lucrativos e da Universidade do sul da Califórnia. A única fonte de verba foi uma doação de US$ 15 mil da Fundação Mozilla, no começo de 2008.

Leung diz que o Project:Possibility não tem pretensões de se tornar uma empresa. “Não planejamos obter receita com a venda de programas. Na verdade, planejamos funcionar como grupo de fonte aberta – os programas poderão ser baixados, alterados e usados por todos, a custo zero – na esperança de que outras universidades e outros países adotem programas semelhantes, com ou sem a nossa participação”.

“O que me agrada é que empresas como o Google e o Mozilla estejam apoiando os nossos projetos”, disse Leung. As empresas tiram vantagem desse apoio porque ficam informadas sobre avanços tecnológicos que poderiam incorporar a produtos de uso cotidiano. Um dos programas do Project:Possibility, por exemplo, integra legendas a vídeos do YouTube, “de modo que os deficientes auditivos possam ter vídeos com som”.

James Flanigan

Tradução: Paulo Migliacci ME

The New York Times
24/12/08

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