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Brasileiro faz estudo na máquina do “fim do mundo”

Ignácio Bediaga é um dos milhares de cientistas envolvidos nos experimentos do LHC (em inglês, Grande Colisor de Hádrons). Coordenador do Laboratório de Física Experimental de Altas Energias do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), ligado ao ministério da Ciência e Tecnologia, Bediaga é um dos brasileiros que participam das pesquisas na chamada máquina “do fim do mundo”.

O LHC ganhou esse nome depois que dois pesquisadores entraram na Justiça norte-americana pedindo o fim das pesquisas no aparelho, alegando que os experimentos poderiam criar mini-buracos negros que resultariam na extinção do planeta.

No entanto, segundo o pesquisador, a intenção do acelerador de partículas é outra: desvendar algumas das questões mais intrigantes da ciência – como, por exemplo, a origem do Universo.

Encravado a 100 m de profundidade, num raio de 27 km de circunferência, próximo à divisa da Suíça com a França, o LHC custou mais de R$ 10 bilhões ao CERN (em francês, Centro Europeu de Pesquisas Nucleares), entidade multinacional responsável pelo projeto.

Bediaga descreve assim o aparelho: “um acelerador de partículas e seus detectores estão para os físicos de partículas assim como o telescópio está para o astrônomo, o microscópio para o biólogo ou o olho para o ser humano”.

“Só no quesito energia, o LHC será cerca de 10 vezes superior ao maior acelerador de prótons hoje em atividade no mundo, o Tévatron, situado no Fermilab (Estados Unidos)”, salienta o pesquisador.

Em entrevista a Terra Magazine, Bediaga fala sobre a experiência de trabalhar no acelerador de partículas e explica quais os resultados que podem ser atingidos com as pesquisas em andamento.

“Eu gosto de dizer que ali é uma Babel ao contrário”, diverte-se. “O LHC tem uma estrutura muito impressionante. Você conversa com gente de todas as nacionalidades, os conhecimentos são todos abertos, discutidos. É uma sociologia complicada, mas é muito estimulante”, conta.

O cientista trabalha no detector de partículas LHCb, um dos quatro que compõem o complexo subterrâneo do colisor, junto com o Alice, o Atlas e o CMS. “No subsolo que abriga o Atlas, caberia a catedral de Notre Dame”, conta. Ele retorna ao LHC em cerca de 10 dias para retomar seus estudos sobre matéria e antimatéria.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista com Ignácio Bediaga:

Terra Magazine – Como um leigo pode entender o funcionamento do LHC?
Ignácio Bediaga
– Da seguinte maneira: você extrai prótons de átomos de hidrogênio e dá energia a eles. Dá energia, cada vez eles vão ficando mais energéticos, com mais velocidade, até quase o limite da velocidade da luz. Aí você pega o acelerador, joga um bando de prótons numa direção e outro bando na direção contrária, fazendo com que eles colidam em algumas regiões desse acelerador. Essas colisões transformam a energia que elas adquiriram num processo de criação de partículas. É mais ou menos aquela história do Einstein de que E = mc². Transforma-se energia em massa, em partícula. É o processo contrário ao da bomba nuclear, onde pela fissão se transforma massa em energia.

Qual o resultado prático disso?
A princípio são partículas muito efêmeras, vivem milionésimos de segundo. Mas esse processo de criação, na verdade, está reproduzindo aquilo que deveria ter ocorrido no processo de criação do nosso Universo. A nossa idéia é ver como essas colisões geram partículas que são responsáveis tanto pelas forças da natureza atual como por processos com energias equivalentes no início do Universo.

O LHC está tentado reproduzir os efeitos do Big Bang?
De certa maneira. O LHC tem milhares de interesses, vai abordar muitos problemas ao mesmo tempo. Um dos problemas é reproduzir o momento do Big Bang, com uma intensidade de matéria muito menor, é claro, mas com densidade de energia equivalente.

O que mais vai ser estudando, além da reprodução do Big Bang?
Eu divido em duas partes. Uma parte é aquilo que de certa maneira a gente espera, e já sabe quais os problemas que devemos atacar; e a outra parte, é o que a gente não espera, porque muda a escala de energia, e aí provavelmente teremos grandes surpresas. Das coisas que a gente espera, há processos muito objetivos em que a gente quer intervir. Uma: em todos os processos de criação que nós conhecemos a quantidade de matéria e de antimatéria é igual. No início do Universo ambos foram produzidos na mesma quantidade, mas hoje em dia, graças a Deus, a antimatéria desapareceu e cá estamos aqui vivos. O que nós queremos entender é como houve em algum momento a predominância da matéria em relação à antimatéria. Outro ponto é a descoberta do Higgs.

Que seria?
O Higgs é uma partícula que tem a seguinte característica: ela faz com que uma partícula sem massa ganhe massa. Ela tem o papel de ser geradora de massa. E essa partícula é fundamental para entender o Modelo Padrão (NR: teoria que descreve todas as forças que constituem a matéria). Se ela não for descoberta, vai acabar criando um problema grande para entender como funciona a unificação do eletromagnetismo e da força fraca, responsável pela desintegração. Essas duas forças são completamente diferentes, e a unificação só pode existir se existir a partícula de Higgs. Se ele não for observado, vai ter um grande problema. Vai ser uma quebra de paradigma, com certeza.

Dois pesquisadores entraram na justiça norte-americana contra os experimentos no LHC, alegando que os testes poderiam criar mini-buracos negros que resultariam no fim do mundo. O que existe de plausível nisso?
De plausível não existe absolutamente nada. Por dois motivos: primeiro porque essa teoria de produção do buraco-negro é uma especulação. Há uma possibilidade, mas não quer dizer que vá ocorrer. Mas todo buraco-negro, e isso eles deveriam saber, tem uma evaporação. Se for criado, será tão pequeno que irá evaporar muito antes de conseguir pegar alguém do lado dele. Ele rapidamente se evaporaria e desapareceria. Tem outro argumento: a Terra é bombardeada diariamente por partículas muito mais energéticas que essas do LHC. É uma grande bobagem.

O mundo não vai acabar?
De jeito nenhum. Eu posso garantir. Pelo menos não vai ser desse jeito (risos).

Como é o dia-a-dia no LHC?
Eu gosto de dizer que ali é uma Babel ao contrário. O LHC ele tem uma estrutura muito impressionante. Você tem 20 países que são os donos, e outros 50 em torno dele que também participam. Lá você conversa com gente de todas as nacionalidades. Imagina um lugar onde brasileiros, italianos, chineses, franceses, brasileiros, todos trabalham fazendo a mesma coisa. É uma tentativa de voltar a falar uma única língua. E com idéias de cooperação. Os conhecimentos são todos abertos, todos discutidos. É uma sociologia complicada, mas é muito estimulante.

Daqui a 30 anos, haverá quais serão os frutos observáveis das pesquisas no LHC?
O resultado prático não é minha preocupação, mas que ele existe, existe – até por isso os países financiam as pesquisas. Tem um resultado prático que é muito bom: conhecer a natureza. Isso é fundamental, diferencia a gente dos outros animais. Além disso, todo o esforço desses milhares de cientistas visa aperfeiçoar o desenvolvimento tecnológico. No fundo, vai se acabar produzindo coisas novas que vão repercutir em toda a sociedade. O exemplo mais típico disso, que também foi produzido no CERN, é o protocolo de internet “www”.

Terra Magazine

Diego Salmen

19/12/08

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